Erro Médico e iatrogenia: o princípio da eleição do procedimento médico - BWA Consultoria Jurídica
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Erro Médico e iatrogenia: o princípio da eleição do procedimento médico

Erro Médico e iatrogenia: o princípio da eleição do procedimento médico

Os médicos e profissionais de saúde em geral são submetidos quase que diariamente a situações em que uma decisão procedimental precisa ser tomada num curto espaço de tempo. São urgências e emergências que põem a responsabilidade médica à prova e que podem trazer consequências jurídicas inevitáveis, que devem ser esclarecidas.

Primeiramente é preciso considerar o princípio da soberania do ato médico. A Resolução CFM 1.627/2001, art. 1º, define o ato médico “como todo procedimento técnico-profissional praticado por médico legalmente habilitado” para a promoção da saúde; prevenção da ocorrência e evolução de enfermidades ou profilaxia; execução de procedimentos diagnósticos e reabilitação dos enfermos entre outras”. A Resolução CFM 1.958/2010, art. 4º, ao regulamentar a consulta médica, dispõe que “a identificação das hipóteses tipificadas nesta resolução cabe somente ao médico assistente, quando do atendimento”. No Parecer CRM/MS N° 12/2008, resultante de Processo Consulta, a ementa ficou assim redigida: “O médico deve ter autonomia para o exercício da medicina. É dever, direito e responsabilidade do médico o atendimento, o diagnóstico e a orientação terapêutica. O diagnóstico e a terapêutica instituída constitui a essência do “ato médico”.

Ora, tendo em vista ser o médico o profissional habilitado para tomar as decisões que entender mais adequadas para o caso concreto, com toda diligência, o que se espera é que a decisão seja respaldada pela técnica e conhecimentos corretos, ainda que algumas delas possam trazer efeitos negativos, conforme disciplinado pelo seu próprio Código de Ética Médica – CEM (Resolução CFM nº 2.217/2018), em seu Capítulo I – Dos Direitos Fundamentais: “II – O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional”.

Em segundo lugar, quando o médico realiza um procedimento, especialmente invasivo, diversas consequências decorrem no corpo do paciente, umas previsíveis, outras não. A essas consequências próprias do ato médico chama-se “iatrogenia”, isto é, um distúrbio ou doença provocada pelo médico após tratamento, intervenção cirúrgica ou emprego de fármacos. Refere-se a um estado de doença, efeitos adversos ou complicações causadas por ou resultantes do tratamento médico, que podem ser bons ou maus. A grande preocupação dos médicos é de que, após realizarem um procedimento, haja um efeito danoso no paciente e o médico venha a ser responsabilizado por culpa (negligência, imprudência ou imperícia).

Conforme bem menciona Irany Moraes, em sua obra Erro Médico e a Justiça (5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 489), “iatrogenia se refere não só ao que ocorreu pelo que o médico fez, como também pelo que deixou de fazer e deveria ter feito”, que podem ser lesões previsíveis e também esperadas, ou resultado previsível, porém inesperado para o caso, mas que decorre do perigo inerente a todo e qualquer procedimento. Estamos diante da iatrogenia stricto sensu. Como exemplo, podem-se citar as náuseas e alopecia por tratamento de quimioterapia, uma diabete iatrogênica após a extração de parte do pâncreas, ou ainda a necessidade de uma colostomia após investigação de queixa de constipação por descoberta de um tumor, que pode vir a ser definitiva ou não. Tais resultados decorrem do regular exercício da atividade médica, uma vez que, para se salvar o paciente ou buscar sua melhora clínica, é necessário causar-lhe um “dano esperado ou mensurado”, ainda que imprevisível, desde que tenham sido empregadas todas as técnicas recomendadas e cientificamente comprovadas na literatura, o que afastaria a culpa do profissional médico, rompendo o nexo causal. No caso de se constatar resultados decorrentes de falhas do comportamento humano no exercício da profissão, estaremos diante de um erro médico próprio, hipótese na qual será necessário aferir a culpa do profissional, passível de indenização.

Pois bem, é preciso considerar que, independentemente do resultado, e em situações em que não há condições de o paciente expressar sua vontade (respeito à autonomia do paciente), a melhor decisão caberá ao médico, pois é o que prevê o CEM, capítulo I, inciso XXI: “No processo de tomada de decisões profissionais, de acordo com seus ditames de consciência e as previsões legais, o médico aceitará as escolhas de seus pacientes relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos por eles expressos, desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas”. Em casos de urgência e emergência, em que normalmente não há vontade expressa do paciente ou de seu representante legal, deve prevalecer o princípio da eleição do procedimento, pois, pelos princípios éticos que regem a profissão, deve o médico sempre buscar o melhor para o paciente, com ética, justiça e benevolência, nunca agravando ou produzindo o mal, mas tomando todos os cuidados para cumprir com seu dever. Respaldado pela literatura e pela boa técnica, não há que se falar em erro médico, muito menos indenização.

Mayrinkellison Wanderley
[email protected]

Graduado em História pela UFRN e Direito pela Universidade Estácio de Sá; Pós-Graduado em Direito Empresarial e Societário pela FGV-Rio, Gestão de Pessoas pela Universidade Estácio de Sá e em Direito Médico e da Saúde pela PUC-Rio. Mestre em Teologia pelo SEC-PE. Mestre em Direito da Regulação pela FGV - Escola de Direito Rio.

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