Responsabilidade Civil do Médico
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Responsabilidade Civil do Médico

Responsabilidade Civil do Médico

O médico é um dos mais antigos e indispensáveis profissionais para a humanidade, mas também exerça
uma das profissões mais arriscadas, seja pelo objeto de sua atuação, a vida e a saúde, seja pelos resultados
de seu trabalho, que sem sempre é o esperado pelos pacientes e seus familiares.

Historicamente, a relação médico-paciente experimentou diversas etapas: desde uma visão divina, em que
o médico era equiparado a um sacerdote, um mago, um feiticeiro, com poderes sobrenaturais, em tempos
imemoriais, atravessando pela fase de cognição intuitiva, inaugurada por Hipócrates, na Grécia, e
finalmente se consolidando como uma ciência indissociável da razão, o médico sempre foi referencial
segurança do paciente para os momentos de crise causados pelas enfermidades. O sigilo, o conhecimento
da vida do paciente, a boa técnica, o prognóstico e diagnóstico correto garantiram o respeito e a
reverência ao profissional médico. Sua responsabilização era mínima, visto que sua autoridade
sobrepunha eventuais insucessos. A medicina é, pois, uma arte apoiada na ciência.

Hodiernamente, porém, o médico deixou de ser visto como um ser superior, numa relação assimétrica e verticalizada ou paternalista, para um “prestador de serviço”; o paciente, por sua vez, abandonou a pecha de sujeito passivo da relação médico-paciente e galgou o título de “usuário” ou “consumidor”, ou ainda mais, como pretende a bioética, “sujeito autônomo”.

 

Num contexto em que a prestação de serviço se confunde com relação de consumo, o médico é
particularmente visado quando se trata de sua responsabilidade enquanto fornecedor de serviço. Além
disso, com o advento do Código de Defesa do Consumidor – CDC (Lei nº 8.078/1990), e a popularização
da informação pelos meios de comunicação em geral, os pacientes passaram a ser mais exigentes quanto
ao tratamento dispensado pelo médico. Um “erro” do médico pode desencadear uma dor de cabeça cujo
custo não é apenas financeiro, mas também emocional.

Daí ser importante a informação precisa. Nesse contexto, foi cunhado o termo “judicialização da saúde”, em que os cidadãos recorrem ao Judiciário para requerer a reparação de um dano causado por algum procedimento ou garantir
determinado atendimento ou medicamento. No último Congresso de Direito Médico de da Saúde, organizado pelo Conselho Federal da OAB, em Brasília, em junho de 2018, foi apresentado o relatório do CNJ 2017 Ano-Base 2016, relevando que tramitam na Justiça cerca de 1.346.931 processos envolvendo a área da saúde, sendo que cerca de 60.000 por erro médico.

O médico não pode ignorar que sua atividade é de altíssima relevância social, mas, como todo grande
privilégio, há um preço igualmente elevado! Desta forma, urge que os médicos reconheçam a
vulnerabilidade de sua profissão do ponto de vista jurídico e tomem medidas preventivas para minorar a
eventual responsabilização.

A primeira providência, que é também a primeira grande responsabilidade legal, talvez a única obrigação
do médico, é INFORMAR. O dever de informação decorre tanto do Código de Ética Médica – CEM
(artigo 59) quanto do CDC (artigo 6º, inciso III), base da segurança da relação médico-paciente e do bom
exercício da profissão. De acordo com a American Association for Accreditation of Ambulatory Surgery
Facilities, em seu documento intitulado Patient Rights & Responsibilities, item 3: “O paciente tem direito
de receber de seu médico as informações necessárias para outorgar seu conhecimento antes do início de
qualquer procedimento e/ou tratamento”. Assim, a chave para a prevenção de eventuais processos se dá
pela correta e adequada informação ao paciente quanto à sua doença, seu estado geral, o tratamento
aplicável, riscos inerentes ao procedimento e, principalmente, a expressa concordância do paciente quanto
ao seu tratamento.

Neste contexto, há que se fazer referência ao termo de consentimento livre e esclarecido: o paciente não
pode ser abordado como uma commodity, isto é, “mais um” que assina um terno pré-elaborado, no
corredor do consultório, sem sequer ler ou ser devidamente informado do que está lendo. Ecoam as
palavras de Cornélio Celso, na página inicial de sua obra-prima publicado em 1493, De Medicina, quando
já alertava para a atenção à individualidade do paciente como diferencial na qualidade do exercício da
medicina. Um bom médico, aliás, como dizia Hugh Cairns, “é aquele que é perspicaz no diagnóstico e
sábio no tratamento; mas, mais do que isso, ele é uma pessoa que nunca se poupa ao interesse dos seus
pacientes”.

Outra importante providência do médico no dever de informação é de que ela seja inteligível, clara, em
letra legível, conforme preceitua o CEM (artigo 84), sem abreviaturas, seja no prontuário médico seja nos
receituários. Informação nunca é excessiva. O médico deve ter consciência de que o prontuário médico é
uma arma em seu favor, não uma prova contra si. Um prontuário médico bem elaborado é a premissa para
eventual boa defesa em esfera administrativa ou judicial.

Finalmente, cercar-se de uma assessoria jurídica especializada por garantir ao médico segurança para
tomada de decisões prévias conscientes e fundamentadas na Lei, mitigando eventuais processos e
protegendo-se diante do fenômeno da judicialização que, nos dias atuais, tanto tem vulnerabilizado esse
profissional que, no seu dever se fazer o bem, acaba por pagar um preço alto quando é demandado por
eventual responsabilização, nem sempre decorrente de um erro, mas do próprio risco da sua atividade.

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Mayrinkellison Wanderley
[email protected]

Graduado em História pela UFRN e Direito pela Universidade Estácio de Sá; Pós-Graduado em Direito Empresarial e Societário pela FGV-Rio, Gestão de Pessoas pela Universidade Estácio de Sá e em Direito Médico e da Saúde pela PUC-Rio. Mestre em Teologia pelo SEC-PE. Mestre em Direito da Regulação pela FGV - Escola de Direito Rio.

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