Homofobia: Um Longo Caminho Jurídico Percorrido e a Percorrer.
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Homofobia: Um Longo Caminho Jurídico Percorrido e a Percorrer.

Homofobia: Um Longo Caminho Jurídico Percorrido e a Percorrer.

O Brasil vem atravessando grandes transformações sociais desde a redemocratização na década de 1980, algumas das quais não podem ficar alheias ao Direito, por ser este a expressão da conjuntura social de forma normatizada.

Um dos temas palpitantes e intrigantes, que gera dissabores e mobilização, opiniões e desassossego, é o da homofobia. Recentemente, o STF está enfrentando essa temática, a partir da votação da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, de relatoria do ministro Celso de Mello, e no Mandado de Injunção (MI) 4733, relatado pelo ministro Edson Fachin.

Em 2018, 420 LGBTs morreram no Brasil, o segundo maior índice de mortes registrado desde o início da série histórica, em 2000 – abaixo apenas das 445 registradas em 2017. No entanto, a criminalização de atos violentos contra pessoas homoafetivas ou que fazem parte do que se convencionou chamar LGBT e suas variantes, não é uma
problemática da atualidade, é um processo histórico-jurídico que remonta à colonização portuguesas – no que se refere ao Brasil – e as conquistas pelos direitos dessas minorias é um lento amálgama de tecidos e retalhos que culmina com a necessidade de tipificar os atos violentos ou de discriminação contra essa parcela da
sociedade.

As Ordenações Filipinas, último conjunto de leis portuguesas que regeu boa parte da legislação no Brasil até a sua Independência, no Livro 5, Título 13, se ocupava do tipo penal “Dos que commetem peccado de sodomia, e com alimarias”, com a seguinte pena: “Toda pessoa, de qualquer qualidade que seja, que pecado de sodomia por
qualquer maneira cometer, seja queimado e feito em pó pelo fogo, para que nunca de seu corpo e sepultura possa haver memória, e todos os seus bens sejam confiscados para a Coroa de nossos Reinos […]”. Sodomia é um termo que se refere de um modo geral a relações sexuais contra natura, mas mais especificamente sexo anal, embora
não exclusivamente. Daí muitos homossexuais terem sido chamados de sodomitas.

Em 1830, D. Pedro I assinou o Código Penal do Império, eliminando todas as referências à sodomia, que eram previstas anteriormente, tornando-se o primeiro país das Américas a expressamente eliminar esse item discriminatório.

Posteriormente, durante o Século XX, alguns poucos direitos foram sendo paulatinamente conquistados, mas de forma tímida. É a partir do Século XXI que os direitos dos cidadãos GLBT passam a ganhar vulto. O primeiro grande direito densificado foi o benefício previdenciário, que passou a ser concedido a partir da concessão da liminar na Ação Civil Pública nº 2000.71.00.009347-0, em 2000. Conforme regulamentação do INSS, seus efeitos retroagem a óbitos ocorridos a partir de 5 de abril de 1991, que concederam aos companheiros dos falecidos de pessoas do mesmo sexo os mesmos direitos das pessoas heterossexuais.

Em seguida, houve a primeira adoção de uma criança por um casal homossexual no Brasil, em 2005. O oferecimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) da cirurgia de redesignação sexual de homem para mulher ocorre desde 2008 e de mulher para homem desde 2013, culminando com a Resolução CFM nº 2.013/13 (atualmente revogada e ampliada pela RESOLUÇÃO CFM nº 2.121/2015) do Conselho Federal de Medicina (CFM) determinou que casais homoafetivos estão incluídos em processos de reprodução assistida, podendo, portanto, realizar fertilização in vitro se desejarem.

Finalmente, talvez a maior conquista em termos de cidadania tenha sido garantida em maio de 2011, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a união homoafetiva como uma entidade familiar, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132. Dois anos depois, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabeleceu a Resolução 175, proibindo que cartórios de todo o Brasil se recusem a celebrar casamentos de casais homoafetivos ou deixem de converter em casamento a
união estável homoafetiva.

Desde 2016, é permitido o uso do nome social em crachás e formulários por funcionários públicos federais, em inscrições do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), concursos públicos, por médicos e advogados ligados ao Conselho Federal de Medicina (CFM) e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), etc.

No momento, o que está em jogo é a garantia constitucional da proteção à vida e à integridade física, corroborada com a diretriz constitucional “construir uma sociedade livre, justa e solidária” e “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, conforme artigo 3º,
incisos I e IV da Constituição da República Federativa do Brasil.

No caso concreto, o Judiciário está sendo chamado a decidir sobre questão que não foi, até o momento, normatizada pelo Legislativo, de onde deveria emanar leis de proteção a todos os cidadãos, independentemente de orientação sexual ou qualquer outra diferença. No momento, o relator da ADO, Ministro Celso de Mello, votou no sentido de equiparar a “homofobia” ou “homotransfobia” ao “racismo social”, o que elevaria tal conduta típica a um crime hediondo, com as devidas ressalvas constantes do voto, cuja tese, em resumo, foi:

“[…] d) dar interpretação conforme à Constituição, em face dos mandados constitucionais de incriminação inscritos nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Carta Política, para enquadrar a homofobia e a transfobia, qualquer que seja a forma de sua manifestação, nos diversos tipos penais definidos na Lei nº 7.716/89, até que sobrevenha legislação autônoma, editada pelo Congresso Nacional, seja por considerar-se, nos termos deste voto, que as práticas homotransfóbicas qualificam-se como espécies do gênero racismo, na dimensão de racismo social consagrada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento plenário do HC 82.424/RS (caso Ellwanger), na medida em que tais condutas importam em atos de segregação que inferiorizam membros integrantes do grupo LGBT, em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero, seja, ainda, porque tais comportamentos de homotransfobia ajustam-se ao conceito de atos de discriminação e de ofensa a direitos e liberdades fundamentais daqueles que compõem o grupo vulnerável em questão […]”.

Obviamente que os efeitos do voto, que já foi seguido por outros três ministros, só ocorrerão a partir da conclusão do julgamento, mas a expectativa nacional é grande no sentido de que o Estado Democrático de Direito coíba qualquer forma de discriminação, violência ou acepção de pessoas, como corolário da igualdade real, estampado formalmente no artigo 5º na Constituição de 1988.

Mayrinkellison Wanderley
[email protected]

Graduado em História pela UFRN e Direito pela Universidade Estácio de Sá; Pós-Graduado em Direito Empresarial e Societário pela FGV-Rio, Gestão de Pessoas pela Universidade Estácio de Sá e em Direito Médico e da Saúde pela PUC-Rio. Mestre em Teologia pelo SEC-PE. Mestre em Direito da Regulação pela FGV - Escola de Direito Rio.

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