A Polêmica Execução do Hino Nacional nas Escolas - BWA Consultoria Jurídica
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A Polêmica Execução do Hino Nacional nas Escolas

A Polêmica Execução do Hino Nacional nas Escolas

Recentemente gerou-se muita polêmica a declaração e Carta do Ministro da Educação acerca da obrigatoriedade do canto do Hino Nacional Brasileiro nos escolas públicas e privadas brasileiras, juntamente com a menção a um slogan de campanha de um dos candidatos à Presidência da República e filmagem dos alunos.

Numa verdadeira ebulição social, partidários desta ou daquela corrente pedagógica ou político-ideológica se manifestaram imediatamente, além da própria sociedade civil. O próprio Ministro se retratou e apresentou suas justificativas, minimizou e alterou a determinação, não sem sofrer todo tipo de contestação e apoio de diversos setores da sociedade.

Ideologias políticas à parte, o tema deve ser tratado com todo o cuidado e atenção às normas jurídicas, mas sempre levando em conta o Estado Democrático de Direito e a mutação que a sociedade – sempre anterior às normas – experimenta na História.

Os símbolos nacionais são criados e protegidos por Lei, especificamente a (Lei nº 5.700/1971 com a redação dada pela Lei nº 8.421, de 1992), originalmente editada durante o Regime Militar que durou de 1964-1985, e que estabelece, em seu parágrafo primeiro:

Art. 1° São Símbolos Nacionais:
I – a Bandeira Nacional;
II – o Hino Nacional;
III – as Armas Nacionais; e

IV – o Selo Nacional.

Assim, o Hino Nacional, tanto quanto a Bandeira Nacional, têm previsão legal e, durante muito tempo, houve o hábito de, pelo menos uma vez por semana, ocorrer nas escolas enquanto a Bandeira Nacional era hasteada. Há inclusive uma disposição no artigo 14 da referida Lei para uma cerimônia semanal concernente à Bandeira Nacional:

Art. 14. Hasteia-se, obrigatoriamente, a Bandeira Nacional, nos
dias de festa ou de luto nacional, em todas as repartições
públicas, nos estabelecimentos de ensino e sindicatos.
Parágrafo único. Nas escolas públicas ou particulares, é
obrigatório o hasteamento solene da Bandeira Nacional,
durante o ano letivo, pelo menos uma vez por semana.

O artigo 39 da mesma Lei também disciplina a execução do Hino Nacional (com a redação que lhe deu a Lei nº 12.031, de 2009), entre outras disposições:

Art. 39. É obrigatório o ensino do desenho e do significado da
Bandeira Nacional, bem como do canto e da interpretação da
letra do Hino Nacional em todos os estabelecimentos de
ensino, públicos ou particulares, do primeiro e segundo graus.
Parágrafo único:  Nos estabelecimentos públicos e privados de
ensino fundamental, é obrigatória a execução do Hino Nacional
uma vez por semana.

Ou seja, pelo princípio da legalidade, as cerimônias acima são, em tese, obrigatórias. Ocorre que nem toda lei “legal” é necessariamente “moral”, isto é, toda Lei deve ter um princípio norteador e uma função social clara, sem a qual se perde a norma jurídica e se dissocia da realidade dos seus cidadãos.

Segundo a administrativista Di Pietro,

“antiga é a distinção entre Moral e Direito, ambos
representados por círculos concêntricos, sendo o maior
correspondente à moral e, o menor, ao direito. Licitude
honestidade seriam os traços distintivos entre o direito e a
moral, numa aceitação ampla do brocardo segundo o qual non
omne licet honestum est (nem tudo o que é legal é honesto)”
(DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São
Paulo: Atlas, 1996, p. 69).

Por exemplo, de acordo com Alexandre de Moraes, ministro do STF,

“Pelo princípio da moralidade administrativa, não bastará ao
administrador o estrito cumprimento da estrita legalidade,
devendo ele, no exercício de sua função pública, respeitar os
princípios éticos de razoabilidade e justiça, pois a moralidade

constituiu, a partir da Constituição de 1988, pressuposto de
todo ato da administração pública” (MORAES, Alexandre de.
Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 1998, p. 283).

De acordo com a descrição do ministro acima, retirada da administração pública, não basta haver a lei, mas ela precisa ser relevante, moral e ter como pressuposto a Constituição de 1988. Em outras palavras, não há ilegalidade na obrigatoriedade da cerimônia em si, mas é preciso se verificar a relevância, intenção e razoabilidade da medida, uma vez que grande parte dos estabelecimentos de ensino não tem sequer sala de aula e condições de lecionar, livros ou merenda adequada, quanto mais uma bandeira nos moldes determinados pela Lei ou mesmo condições de se ensinar as crianças e adolescentes a correta execução do Hino.

Assim, filmar os alunos ou exigir que slogans de titulares de cargos públicos não se coaduna com o regramento constitucional vigente e a polêmica se mostra legítima, pois não está de acordo com o artigo 5º e 37 da Constituição. Numa escala de prioridade, as necessidades materiais básicas dos estudantes e de suas escolas devem se preceder às exigências estatais meramente formais, pois estas não trazem como resultado uma melhor qualidade de vida, uma educação de qualidade ou a formação de um melhor cidadão, preceitos cimentados nos direitos e garantias fundamentais diluídos no texto constitucional.

Ora, cantar ou não cantar o Hino não resolverá o problema da educação brasileira, nem da sua cidadania, embora não haja inconstitucionalidade estrita em sua execução. No entanto, se nos ativermos à constitucionalidade mutante e a ponderação dos princípios constitucionais modernos, formalidades nunca estarão acima dos direitos intrínsecos à pessoa humana, pois a cidadania não é uma imagem ou uma expressão externa, mas a vivência interna, introspectiva, íntima, pessoal e sentimental de cada brasileiro. Só assim poderemos todos cantar, não apenas
nas escolas, cheios de orgulho: “Dos filhos deste solo és Mãe Gentil, Pátria amada, Brasil”.

Mayrinkellison Wanderley
[email protected]

Graduado em História pela UFRN e Direito pela Universidade Estácio de Sá; Pós-Graduado em Direito Empresarial e Societário pela FGV-Rio, Gestão de Pessoas pela Universidade Estácio de Sá e em Direito Médico e da Saúde pela PUC-Rio. Mestre em Teologia pelo SEC-PE. Mestre em Direito da Regulação pela FGV - Escola de Direito Rio.

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