14 set Responsabilidade Civil e Erro Médico
Parecer Jurídico – Direito Médico – Dano Estético Causado por Profissional Não Médico e a Responsabilização do Médico que Atende o Paciente Lesionado.
Relato do caso:
“Paciente do sexo feminino realizou procedimento invasivo, de natureza estética, com profissional não-médico e evoluiu com complicação inestética subsequente. Entretanto, tal complicação não afetava diretamente sua saúde, não causava dano e/ou limitação funcional, dor ou sequer prejuízo na realização de atividades cotidianas de quaisquer naturezas.
Apesar disso, a paciente sentia-se incomodada e insatisfeita com o resultado final, especialmente porque a área “tratada” foi a face, o que a motivou a procurar atendimento médico, visando anular ou, ao menos, suavizar os danos causados pelo primeiro profissional”.
Tirando as dúvidas:
- Trata-se de um caso de lesão corporal?
- Em se tratando de um caso de lesão corporal, o médico pode exigir que o paciente faça um R.O., a fim de se precaver quanto a futuros processos?
- O médico pode condicionar o atendimento da paciente à realização do R.O?
- O R.O resguarda o médico neste caso?
- A falta do R.O expõe o médico em caso de futuros processos?
- O médico pode exigir assinatura de termo de consentimento e documentação fotográfica neste caso?
- Ele pode se recusar a atender o paciente caso este não deseje assinar os referidos documentos e/ou se submeter à documentação fotográfica?
- O paciente pode processar o médico futuramente, caso considere que o resultado final foi pior que o inicial, ou ainda, que este resultado não foi o que ele desejava?
- A atividade médica, neste caso, é considerada como atividade de fim ou de meio, uma vez que não havia, propriamente dito, prejuízos a saúde física do paciente?
Conscientizando:
A relação médico-paciente deve sempre ser pautada pela confidencialidade, confiança, lealdade e seguir os princípios da benevolência, não-maleficência, autonomia e justiça.
No caso em tela, trata-se de uma paciente que, tendo sido submetida a tratamento estético por profissional não habilitado, busca minimizar o resultado danoso com um médico que, a priori, está capacitado para o tratamento.
Quanto ao resultado provocado na paciente, deve-se ressaltar que o corpo humano apresenta reações diferentes a determinados procedimentos, sobretudo reações químicas que, até certo ponto, são esperadas. Em princípio, parece ser uma lesão corporal culposa, mas tal aferição só pode ser comprovada por perícia, visto que as alegações da paciente não devem ser levadas a termo como absolutas, mas a experiência e a perspicácia do profissional médico o possibilitarão aferir, pelo menos em tese, ter se tratado de um “erro procedimental” ou não.
Em se tratando de um caso de saúde, seria interessante que o médico orientasse a paciente a fazer um registro de ocorrência (R.O.) a fim de buscar a responsabilização do profissional que causou o alegado dano, mas essa é uma decisão que cabe unicamente ao paciente, até porque a lesão corporal culposa leve só é levada a termo enquanto delito criminal se houver representação formal do ofendido, por ser crime de menor potencial ofensivo.
De toda forma, exigir do paciente que ele faça R.O. como condição para o atendimento não é uma atitude recomendável. Por várias razoes: A uma, porque R.O. não quer dizer nada para fins de prova: o R.O. é apenas um documento que relata um possível fato que pode ter acontecido, mas que será investigado. A duas, porque o Código de Ética Médica não prevê que um paciente só possa ser atendido sob determinadas condições, permitindo ao médico apenas recusar o atendimento. Como o caso não é de urgência ou risco de morte para o paciente, a recusa ao atendimento não seria quebra do dever de cuidado ou omissão de socorro, mas mera liberalidade profissional.
Mas o terceiro motivo é ainda mais relevante: a Constituição é expressa em afirmar que alguém só é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo em virtude de Lei. O Código Penal também prevê a conduta do constrangimento ilegal. Além do mais, o Código Civil é expresso em prever a conduta de abuso de direito, de caráter indenizável, que deve ser evitado a todo custo pelo profissional médico. Não se pode exigir de ninguém absolutamente nada que o ordenamento jurídico não prevê, sob pena de se estar incorrendo em ilícito civil e, quiçá, penal. A situação é absolutamente diversa quando se trata das obrigações dos médicos quanto a situações específicas: maus-tratos a crianças e idosos, suspeitas de envolvimento do paciente em crimes, doenças de comunicação compulsória, em que a Lei obriga que o profissional tome as providencias para que a autoridade policial seja informada. Nestes casos, o médico teria o dever legal de informar.
Desta forma, a exigência do R.O. nem resguarda o médico de eventual processo, como também ainda o expõe a uma situação que poderá se voltar contra ele mesmo, sendo conduta desnecessária e extravagante, uma vez que o profissional pode simplesmente se recusar a realizar o procedimento, caso entenda que haja risco para si.
Talvez a maior providência do profissional médico seja ter uma boa documentação e prontuário pormenorizado e atualizado de todos os seus pacientes, especialmente daqueles que o procuram com esse tipo de situação. Um bom acervo fotográfico, anamnese coerente e bem elaborada, termo de consentimento específico, e, acima de tudo, relato assinado pelo próprio paciente da queixa que o traz ao consultório. Como se trata de corrigir um erro prévio, trata-se de uma atividade de meio, ainda que para fins estéticos. Se o médico estiver bem documentado, dificilmente será responsabilizado por eventual insucesso no tratamento, pois no caso dos profissionais médicos, a responsabilidade é subjetiva, a menos que ele prometa que vai resolver o problema do paciente, o que nunca deve ser dito por aqueles que tratavam com tratamento estético corretivo, pois ensejaria a aplicação da responsabilidade objetiva, invertendo o ônus da prova.
Por fim, nada garante que pessoas mal intencionadas tentem se aproveitar desta ou de outra situação a fim de obter vantagens financeiras, sob alegação de que o resultado final foi pior que o inicial, ou ainda, que o resultado ficou abaixo do esperado. Entretanto, se o médico for capaz de “blindar” seu trabalho com boa documentação, fazendo uma boa gestão de riscos procedimentais, suas chances de sucesso numa eventual demanda judicial são bastante robustas.
Em caso de dúvida, procure um advogado especializado em direito médico e da saúde para desenvolver uma assessoria preventiva, consultiva e contenciosa, a fim de evitar um indesejável passivo por responsabilização civil e criminal.
Fonte: Acervo jurídico da BWF Advocacia e Consultoria Jurídica
(Nomes e datas foram omitidos para preservar as partes envolvidas).
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